Reflexões

Como as experiências (ou a falta delas) podem impactar a leitura da Bíblia?

A nossa relação com as Escrituras deve ser orientada pela verdade de que elas estão acima das nossas experiências pessoais. Não podemos nos colocar diante da Bíblia para condicioná-la às nossas vivências, ainda que estas sejam intensas ou extraordinárias. Todo alerta nesse sentido sempre é necessário. Por vezes, corremos o risco de valorizar experiências pessoais e alça-las à posição de verdade, sem submetê-las ao crivo da Palavra de Deus. Não podemos nunca ceder à tentação de manipular, distorcer ou negar a Palavra a fim afirmarmos nossas experiências como verdade. Afinal, “Seja Deus verdadeiro, e mentiroso, todo homem” (Romanos 3:4) e “Porque nada podemos contra a verdade, senão em favor da própria verdade” (I Coríntios 13:8).

Como bem destaca John Stott:

Somente quando a Palavra de Deus habitar ricamente em nós seremos capazes de avaliar as experiências que nós e outros podemos ter. A experiência jamais deve ser o critério da verdade; a verdade tem sempre de ser o critério da experiência”.

Quem não submete suas experiências à Palavra de Deus, sempre vai correr o risco  de dar ouvidos a outro Evangelho, principalmente se este for anunciado por aparentes anjos (Gálatas 1:8; II Coríntios 11:13-15). 

Entretanto, na nossa relação com as Escrituras, há outro risco que nem sempre é devidamente alertado: muitos de nós, por causa da própria experiência ou por falta dela,  podem enxergar na Bíblia algo menor do que ela quer nos dizer.

Martin Lloyd-Jones denuncia dois erros cometidos com relação às Escrituras. O primeiro é o de colocarmos nossa experiência acima da Bíblia, a ponto de até mesmo contradizê-la. Já o segundo erro é o de acharmos que a Bíblia fala menos do que ela realmente diz. Nesse sentido:

“Este segundo perigo é, então, o de ficarmos satisfeitos com algo muito menor do que nos oferece as Escrituras, e de interpretar as mesmas em função de nossas experiências, reduzindo assim seu ensino ao nível do que sabemos ou experimentamos”.

Ao projetamos nossa falta de experiência sobre certos textos didáticos que tratam do recebimento do Espírito, podemos não perceber que eles carregam um aspecto experiencial muito maior do que se imagina.

Vejamos, por exemplo, a declaração de Paulo em Gálatas 3:1 e 2:

“Ó gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto como crucificado? Quero apenas saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?”

A fim de confrontar o legalismo que estava contaminando os gálatas, Paulo chama a atenção para o fato de que eles receberam o Espírito pela fé. Se com a expressão “recebestes o Espírito” o apóstolo estivesse falando apenas de uma verdade na qual foram ensinados, uma doutrina da qual foram informados, seu argumento não teria tanta força. Se a presença do Espírito não pudesse ser percebida e notada entre os gálatas, assim como eles foram ensinados que o Espírito é dado pela fé, algum mestre judaizante poderia convencê-los que o Espírito é dado pelas obras da lei.

Entretanto, a força do argumento de Paulo estava na experiência viva que os gálatas tinham com o Espírito, sem que tivessem qualquer mérito nisso. O contexto deixa claro que Paulo queria mostrar aos gálatas que as experiências que eles tinham com o Espírito não eram resultado da obediência à lei, mas sim eram recebidas pela fé. Não podemos ler Gálatas 3 e pensarmos no Espírito como uma presença secreta e silenciosa, que não pode ser percebida por quem a recebeu.

“Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne? Terá sido em vão que tantas coisas sofrestes? Se, na verdade, foram em vão. Aquele, pois, que vos concede o Espírito e que opera milagres entre vós, porventura, o faz pelas obras da lei ou pela pregação da fé? (Gálatas 3:3-5).

O mesmo poderíamos dizer do testemunho do Espírito acerca da nossa filiação. Quando Paulo escreve aos romanos dizendo que “o próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus”, ele não estava falando sobre uma informação dada  pelo apóstolo, mas sim sobre o testemunho dado diretamente pelo próprio Espírito, que enche a pessoa de convicção de sua filiação, a ponto de nos fazer clamar: Aba, Pai (Romanos 8:15,16). A palavra grega traduzida como clamar é krazo, que também pode ser traduzida como gritar, berrar, vociferar, chorar alto. O testemunho de que somos filhos de Deus nos faz gritar: Aba, Pai! Portanto, a presença do Espírito em nós deve ser mais do que uma informação.

É um equívoco lermos o ensino das epístolas sobre a obra do Espírito sem considerarmos que elas pressupõem a história narrada no livro de Atos. É naquele contexto que surgem as igrejas destinatárias das epístolas. Ao olharmos para o livro de Atos, é impossível não percebermos como os primeiros cristãos experimentavam de forma viva, perceptível e dinâmica a presença do Espírito. Não se tratava de apenas uma doutrina, mas de uma experiência concreta.


Extraído do livro “O Batismo com o Espírito Santo”, de Anderson Paz

Disponível em formato digital:
– Na Amazon (clique aqui).
– Na Apple (clique aqui).

 

 

..