Reflexões

“O ídolo nada é no mundo”

Uma reflexão sobre as celebrações de Natal

Sei que o Natal já passou. Porém, como daqui a um ano novamente serão debatidas todas as polêmicas envolvendo essa celebração, gostaria de repartir com vocês uma reflexão sobre esse tema. Assim como foi neste Natal, no próximo ano novamente você verá discussões entre cristãos nas redes sociais sobre a origem pagã do Natal.

Nestes últimos dias, ouvi as seguintes declarações:

  • “Cada vez que comemoramos o Natal, escarnecemos do Senhor Jesus, nos tornamos cúmplices das obras das trevas e praticamos a hipocrisia”;
  • “Árvores de Natal, bolas, presépios, luzes, pisca-pisca, enfeites natalinos em geral são coisas abomináveis”;
  • No Natal comemora-se o aniversário de um ídolo, usando o nome de Jesus, e isso pode ser considerado um adultério espiritual, uma infidelidade e uma abominação para Deus”.

Em síntese, essas declarações sustentam esta ideia: quando os cristãos celebraram o Natal, ainda que façam menção a Jesus, na verdade estão adorando a outro deus, mesmo que não tenham consciência disso. Assim, tudo no Natal seria abominável: a data, os símbolos, a troca de presentes etc. Para alguns, até mesmo o panetone tem origem pagã e é uma abominação, pois sua origem estaria no bolo oferecido a Asherá.

Ora, como nosso compromisso é com a Bíblia, devemos analisar tudo à luz da mesma. E no Novo testamento encontramos um ensino que nos serve de referência para pensarmos em como devemos tratar as coisas oriundas do paganismo. A única referência neo-testamentária sobre o tema é a questão da comida sacrificada aos ídolos.

Em Atos 15, os apóstolos e presbíteros reunidos em Jerusalém escreveram uma carta aos cristãos gentios dizendo que estes deveriam se abster, dentre outras coisas, das contaminações dos ídolos (Atos 15:19,20). Vemos esse mesmo ensino se repetindo no livro de Apocalipse em pelo menos duas ocasiões: na primeira, o Senhor Jesus repreende a igreja em Pégamo  por ter em seu meio pessoas que sustentavam a doutrina de Balaão, “que ensinou Balaque a armar ciladas contra os israelitas, induzindo-os a comer alimentos sacrificados a ídolos e a praticar imoralidade sexual” (Apocalipse 2:14); na segunda, a igreja em Tiatira é repreendida por tolerarem Jezabel, que seduzia os servos do Senhor a “praticarem a prostituição e a comerem coisas sacrificadas aos ídolos” (Apocalipse 2:20).

Os coríntios tinham dúvidas acerca desse tema. Por que seria errado comer carne sacrificada aos ídolos, já que o ídolo não é nada e há apenas um Deus? Qual era o problema em comer esse tipo de comida? Existia algum tipo de contaminação espiritual? Paulo responde que o problema era a consciência daquele que tinha familiaridade com o ídolo. Vejamos o que o apóstolo escreveu em I Coríntios 8:

“No tocante à comida sacrificada a ídolos, sabemos que o ídolo, de si mesmo, nada é no mundo e que não há senão um só Deus. Porque, ainda que há também alguns que se chamem deuses, quer no céu ou sobre a terra, como há muitos deuses e muitos senhores, todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também, por ele. Entretanto, não há esse conhecimento em todos; porque alguns, por efeito da familiaridade até agora com o ídolo, ainda comem dessas coisas como a ele sacrificadas; e a consciência destes, por ser fraca, vem a contaminar-se. Não é a comida que nos recomendará a Deus, pois nada perderemos, se não comermos, e nada ganharemos, se comermos. Vede, porém, que esta vossa liberdade não venha, de algum modo, a ser tropeço para os fracos. Porque, se alguém te vir a ti, que és dotado de saber, à mesa, em templo de ídolo, não será a consciência do que é fraco induzida a participar de comidas sacrificadas a ídolos? E assim, por causa do teu saber, perece o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu. E deste modo, pecando contra os irmãos, golpeando-lhes a consciência fraca, é contra Cristo que pecais. E, por isso, se a comida serve de escândalo a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que não venha a escandalizá-lo”.

Paulo está ensinando o seguinte: o fato de ser oferecido aos ídolos não mudava a natureza do alimento, não fazia com que carregasse um mal em si mesmo ou que trouxesse algum tipo de contaminação. Se o apóstolo ensinasse o contrário disso, estaria em frontal contradição com Jesus, que nos ensinou que contamina o homem não é o que entra pela boca, mas sim o que sai. Além disso, Paulo também ensina que “tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável, porque, pela palavra de Deus e pela oração, é santificado” (I Timóteo 4:4,5).

A grande questão é que certos cristãos, mesmo convertidos, ainda estavam familiarizados com os ídolos. Devemos lembrar que eles estavam cercados por um ambiente idólatra, e por isso Paulo precisa adverti-los sobre o risco de retornarem à idolatria. “Portanto, meus amados, fugi da idolatria” (I Coríntios 10:14). Aqueles irmãos poderiam, ao comerem carnes sacrificadas aos ídolos, retornar à idolatria em seus corações. Muitos não sabiam dissociar o ato de comer um alimento do culto ao ídolo.

Esse mesma preocupação com o retorno à idolatria também é manifestada por João no final de sua primeira epístola: “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos” (I João 5:21).

Vejamos como I Coríntios 8:7 aparece em outras traduções:

“Mas nem em todos há conhecimento; porque alguns até agora comem, no seu costume para com o ídolo, coisas sacrificadas ao ídolo; e a sua consciência, sendo fraca, fica contaminada” (ACF).

“Contudo, nem todos têm esse conhecimento. Alguns, ainda habituados com os ídolos, comem esse alimento como se fosse um sacrifício idólatra; e como a consciência deles é fraca, fica contaminada” (NVI).

“Entretanto, nem em todos há esse conhecimento; pois alguns há que, acostumados até agora com o ídolo, comem como de coisas sacrificadas a um ídolo; e a sua consciência, sendo fraca, contamina-se” (AA).   

Em I Coríntios 8, Paulo deixa claro que os cristãos não deveriam participar de festivais em honra aos falsos deuses e nem mesmo comer os alimentos a estes oferecidos. O motivo não era o alimento em si, mas a consciência do que estava familiarizado com os ídolos. Porém, isso não responde a todas as perguntas. O que fazer quando não sei se o alimento foi oferecido em um ritual pagão? Paulo responde:

“Comei de tudo o que se vende no mercado, sem nada perguntardes por motivo de consciência; porque do Senhor é a terra e a sua plenitude. Se algum dentre os incrédulos vos convidar, e quiserdes ir, comei de tudo o que for posto diante de vós, sem nada perguntardes por motivo de consciência. Porém, se alguém vos disser: Isto é coisa sacrificada a ídolo, não comais, por causa daquele que vos advertiu e por causa da consciência; consciência, digo, não a tua propriamente, mas a do outro. Pois por que há de ser julgada a minha liberdade pela consciência alheia? Se eu participo com ações de graças, por que hei de ser vituperado por causa daquilo por que dou graças? Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (I Coríntios 10:25-31).

Ora, mais uma vez Paulo afirma que o alimento oferecido aos ídolos não traz qualquer contaminação ou mal em si mesmo. Por isso, não havia problema em comê-lo sem saber a origem. E precisamos destacar que Paulo não está falando de algum tipo de carne ou alguma receita que séculos antes algum pagão havia utilizado em certo ritual. O apóstolo está falando sobre o alimento efetivamente oferecido ao ídolo no presente, ou seja, que foi usado em ritual onde se invocou o nome de um falso deus.

E qual a relação tudo isso tem com o Natal? Ora, afirmar que aqueles que celebram o Natal estão praticando um adultério espiritual é ir além do que Paulo disse. É trazer uma condenação que as Escrituras não estabelecem. Durante séculos, gerações de cristãos tem comemorado o Natal sem ter a mínima noção de que a data de 25 de dezembro, em um passado longínquo, foi usada para celebrar um ídolo chamado Mitra. A maioria não sabe nada desse tal de Mitra, um ídolo esquecido e ignorado, que só têm sido lembrado pelos opositores do Natal. Será que os irmãos que celebram o Natal tem alguma familiaridade com Mitra, Tamuz, Ninrode, Asherá etc?

Gostaria de deixar algumas perguntas:

  • Que familiaridade com o ídolo tem a igreja que decide fazer uma contata de Natal?
  • Que familiaridade com o ídolo tem o pastor que no mês de dezembro prega sobre o nascimento de Jesus?
  • Que familiaridade com o ídolo tem a congregação que entoa canções cristãs natalinas, como “Oh! Vinde fiéis” ou “Eis dos anjos a harmonia”?
  • Que familiaridade com o ídolo tem o pai de família que decide montar um presépio com seus filhos?
  • Que familiaridade com o ídolo tem a pessoa que gosta de comer panetone, castanhas etc?
  • Que familiaridade com o ídolo tem a pessoa dá presentes nessa época do ano?
  • Que familiaridade com o ídolo tem o pai que coloca pisca-pisca em sua casa porque as crianças gostam?
  • Que familiaridade com o ídolo tem o cristão que reúne seus familiares e anuncia Jesus no dia 25 de dezembro?

A maioria das pessoas nem mesmo sabe que houve um ídolo chamado Mitra. Tal ídolo foi esquecido, mas Jesus é lembrado pelos séculos dos séculos. Aleluia!

Quem faz com que esses ídolos sejam lembrados são justamente os combatentes anti-Natal.

Com tudo isso, não estou dizendo que devemos celebrar o Natal, mas sim que aqueles que optam por não celebrar não devem condenar os que celebram. Não devemos acusar nossos irmãos de pecados dos quais a Palavra não os condena. Afirmar que as celebrações de muitos cristãos no dia 25 de dezembro são direcionadas a outro deus é ir longe demais.

A origem de alguns símbolos natalinos se perdem na história. Ninguém pode fazer afirmações precisas sobre a origem de alguns deles. Tenha cuidado com aqueles que dão total veracidade à afirmações sobre fatos de um passado antiquíssimo e que não estão na Bíblia.

Se tivéssemos que retirar tudo que tem origem pagã de nossas vidas, talvez a primeira coisa que deveríamos rever é a cerimônia de casamento da atualidade, cujos elementos são de origem pagã em quase a sua totalidade. Porém, ninguém ousa dizer que um casamento é inválido porque o casal usou anéis de aliança, um costume de origem pagã.

Portanto, tenhamos cuidado e, acima de tudo, esteja o amor fraternal.

Em Cristo,
Anderson Paz