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A disciplina é o “ministério do diabo” na igreja?

Nestes últimos dias, ouvi certo pregador fazer uma declaração, no mínimo, inusitada. Ao falar sobre disciplina, declarou que “a disciplina é o ministério do diabo na igreja”. E seguiu explicando que quando você é disciplinado pela igreja, o que ocorre é o seguinte: no momento em que mais precisa de ajuda, você é parado e colocado de lado.

Ao ouvir essas palavras, cheguei a cogitar que o pregador queria falar dos abusos e erros que são cometidos em certas ações disciplinares, ou da falta de amor e misericórdia na disciplina. Porém, o que ele estava realmente dizendo é disciplina na igreja era algo desnecessário, errado e até mesmo diabólico.

Para sustentar essa afirmação, o pregador fez uso de duas passagens bíblicas. A primeira foi o Salmo 1:5 quando declara que o ímpio não permanecerá na congregação dos justo. Com base nesse texto declarou “é o ímpio que não permanece, e não os justos que o retiram; é o ímpio que sai”. E seguiu afirmando que, se há ímpios em meio à igreja, o problema são dos justos, que não estão sendo justos o suficiente. Se fossem justos o suficiente, o ímpio não permaneceria no meio deles.

A parábola do joio e do trigo foi a segunda passagem bíblica usada pelo referido pregador para sustentar a ideia de que a disciplina é um erro. Como a parábola diz que o trigo e o joio só serão separados na colheita, logo, para esse pregador, a igreja não deveria disciplinar ninguém.

Ao ouvir isso, foi inevitável pensar que aquele homem podia sustentar a doutrina que quisesse. Porém, sempre que afirmamos ou defendemos uma certa interpretação bíblica, precisamos considerar os desdobramentos dessa interpretação sobre outros textos bíblicos que tratam do assunto. E não vi esse pregador fazendo esse esforço. Ele simplesmente citou duas passagens que não tratam sobre disciplina, levantou uma interpretação, e nem mesmo mencionou os textos que parecem falar sobre a ação disciplinar da Igreja.

Se disciplina é algo errado, esse pregador precisa dar uma resposta coerente para as seguintes perguntas:

1 – Se, pela parábola do joio e do trigo, entende-se que a igreja não deve disciplinar ninguém, como fica o ensino de Jesus em Mateus 18:15-17?

Vejamos o texto:

“Se teu irmão pecar [contra ti], vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano”.

No texto acima, pode-se  discutir o significado do que é “tratar como gentio e publicano”, mas não dá para pensar que Jesus está defendendo a falta de ação frente ao pecado de um irmão contra o outro. Ele não está apoiando a passividade ou a omissão quando alguém peca. Muito pelo contrário, Jesus fala da necessidade de uma ação.

Se a parábola do joio e do trigo nos ensinasse que não se deve ter nenhuma ação corretiva quando um irmão está em pecado, como entender Mateus 18:15-17? Será que podemos dar uma interpretação que nem Jesus deu à sua própria parábola? Podemos ser melhor do que o Mestre?

2 – Se o Salmo 1:5  ensina que a igreja não deve tratar os pecados que ocorrem em seu meio, o que fazer com o ensino de Paulo em I Coríntios 5?

Vejamos o texto:

“Geralmente, se ouve que há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre os gentios, isto é, haver quem se atreva a possuir a mulher de seu próprio pai. E, contudo, andais vós ensoberbecidos e não chegastes a lamentar, para que fosse tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou? em nome do Senhor Jesus, reunidos vós e o meu espírito, com o poder de Jesus, nosso Senhor, entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor [Jesus]” (I Coríntios 5:1-5).

No final do capítulo, Paulo conclui:

“Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais. Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro? Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor (I Coríntios 5:11-13).

Ao dizer que aquele homem devia ser tirado (v. 1) ou expulso (v. 13) do meio da igreja, será que Paulo ignorava o Salmo……? Será que intencionalmente o infringiu? Ou será que o equívoco está na interpretação de que o Salmo 1:5 impede a ação disciplinar da igreja? Seguramente o equívoco está nessa interpretação.

3 – Se a igreja não deve disciplinar, o que fazer com o texto de Paulo aos Coríntios dizendo que para certo homem “bastava-lhe a repreensão feita por muitos”?

Vejamos o texto:

“Porque, se alguém me contristou, não me contristou a mim senão em parte, para vos não sobrecarregar a vós todos. Basta-lhe ao tal esta repreensão feita por muitos. De maneira que pelo contrário deveis antes perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja de modo algum devorado de demasiada tristeza. Por isso vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor” (II Coríntios 2:5-8).

4 – Se a igreja não deve disciplinar, o que fazer com o ensino de Paulo em II Tessalonicenses 3:6-15?

Mais uma vez, vamos ao texto bíblico:

Mandamo-vos, porém, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebeu. […] Porquanto ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes fazendo coisas vãs. […] Mas, se alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai o tal, e não vos mistureis com ele, para que se envergonhe. Todavia não o tenhais como inimigo, mas admoestai-o como irmão.

Será que mais uma vez o apóstolo estaria ignorando o Salmo ………… e a parábola do joio e do trigo? Certamente não. Conseguimos ver claramente que Paulo está orientando a igreja a tomar uma atitude a fim de cooperar com o arrependimento daqueles que viviam desordenadamente.

5 – Se a igreja não deve ter nenhuma ação disciplinar, o que fazer com o texto em que  Paulo ensina que os presbíteros que vivem no pecado devem ser repreendidos na presença de todos (I Timóteo 5:19,20)? Ora, se não pode haver correção, nem mesmo os presbíteros poderiam ser repreendidos publicamente.

“Não aceites denúncia contra presbítero, senão exclusivamente sob o depoimento de duas ou três testemunhas. Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os demais temam”.

Diante das perguntas feitas até aqui, é evidente que essa ideia de que a disciplina é um erro não se sustenta biblicamente. O fato de haver erros e abusos no meio da igreja não elimina a verdade bíblia que a igreja deve exercer seu papel disciplinar com amor e misericórdia. O propósito da disciplina não é condenar, mas sim resgatar aquele irmão que está atado ao pecado.

Por isso, a afirmação de que “a disciplina é o ministério do diabo na igreja” não é apenas um erro, mas uma agressão violenta à verdade. À luz da Bíblia, a disciplina é uma ação resgatadora.

Temos que ter cautela com muitos ensinos que se espalham por aí, pois cada vez mais vão se multiplicar os falsos ensinos, pois “haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas” (II Timóteo 4:3,4).

Se você deseja saber mais sobre o tema da disciplina, recomendo um estudo que publicamos aqui no Conexão Eclésia: Disciplina na Igreja? Pra quê?

Em Cristo,
Anderson Paz