Reflexões

O que os solteiros cristãos tanto esperam?

Há cerca de 2 anos publiquei o post “Que bonitinho… mas tá errado!”, que em poucas horas se tornou o post mais visualizado, comentado e compartilhado deste blog. E também se tornou o mais criticado e condenado. Minha abordagem no post é sobre expectativas ilusórias que alguns movimentos de pureza sexual acabam gerando na vida de solteiros cristãos. Considero que “movimentos de pureza sexual” não é a nomenclatura a ideal a ser dada para tais ministérios, pois eu mesmo sou um defensor da pureza sexual, tanto de solteiros como de casados. Porém, quando menciono tais movimentos, me refiro a alguns ministérios que são exclusivamente focados em animar jovens solteiros a se guardarem para ter vida sexual no casamento.

Quando escrevi o referido post, apontei que esses ministérios se equivocavam em animar os solteiros cristãos a viverem em santidade fundados na expectativa de que, se forem santos, terão um casamento feliz.  Tal expectativa pode ser ilusória ao menos por duas razões:

1 – Santidade enquanto se é solteiro não é garantia absoluta que seu casamento será feliz. É verdade que colhemos o que plantamos, e se plantarmos santidade, colheremos coisas boas. Porém, o sucesso no casamento depende de muitos outros fatores além da pureza.

2 – Talvez o jovem que é animado a ser puro nunca se case. Portanto, se é para ser santo, que seja porque isso é a vontade de Deus, e não porque a santidade te dará um casamento feliz. Se é para ser santo, que seja por que o seu corpo é do Senhor, independente se você vai casar ou não. E se você não se casar, isso não significa que sua vida não poderá ser plena. Jesus nos prometeu uma vida plena, uma vida em abundância, e Ele mesmo não casou.

Muito desses ministérios são alimentados pela perspectiva, muito comum nas igrejas, que a vida consiste em uma sucessão de etapas, sendo que, ao entrarmos em uma, sempre estamos esperando ou trabalhando para chegar na próxima. Se não alcançamos a etapa seguinte, parece que a vida parou no caminho. E isso fomenta a frustração e decepção. Sendo assim, por exemplo, se você é solteiro, a próxima etapa é o casamento. Se você casou, a próxima etapa é ter filhos, e assim a vida vai acontecendo. Em linhas gerais, podemos dizer que essa linha do tempo consiste nas seguintes etapas: CRESCERESTUDAR – TRABALHARCASAR – REPRODUZIR – MORRER. E se você parar em uma dessas etapas, parece que sua vida estacionou, ou simplesmente “não aconteceu”. Tomo a liberdade de chamar esse perspectiva de vida de a “Vida na linha do tempo”.

A medida que o tempo vai passando, e não chega a pessoa certa, começa a surgir a frustração e a decepção. E se o motivo para se guardar em santidade é a expectativa do casamento, com o passar do tempo esse fundamento começa a ruir, e não se vê mais razão para se manter puro.

Ora, essa frustração só é alimentada pela falta de revelação de que o Evangelho rompe a lógica da “Vida na linha do tempo”. Chamo a perspectiva apresentada pelo Evangelho de “Vida para além da linha”.  O Reino de Deus já revoluciona a visão comum da vida pelo simples fato de que nossa vida não é encerrada pela morte. Nós, os que cremos em Jesus, já passamos da morte para a vida. Além disso, Jesus nos prometeu vida em abundância, e Ele não condicionou essa promessa ao fato de cumprirmos ou não certa etapa da referida linha do tempo. Quando Ele esteve com a mulher samaritana, que já havia tido 5 maridos, Jesus não falou que o problema a ser resolvido na sua vida era de ordem sentimental ou sexual. A solução do real problema daquela mulher estava na entrega da sua vida a Jesus, e se ela bebesse da água que Jesus dá, ela não voltaria a ter sede. A real satisfação daquela mulher não estava em alcançar um casamento feliz, mas sim na sua entrega a Deus.

Sob a lógica da “Vida na linha do tempo”, Jesus teria sido um fracassado por não ter casado. Mas Ele é o homem mais pleno e feliz que andou sobre a Terra. É fato que Ele não casou, mas com seu sangue comprou uma noiva para Si: a Igreja.

Paulo seria outro fracassado, pois não casou. E ele ainda teria animado as pessoas a serem fracassadas, pois ele recomendou que os solteiros permanecessem nesse estado pois assim estariam mais livres para servir na obra de Deus (I Coríntios 7:32,33). Porém, mesmo tendo “estacionado na linha do tempo”, Paulo foi um homem pleno, guiado por um propósito claro, e ao final da sua vida pôde dizer: “Combati o bom combate, completei a carreira e guardei a fé” (II Timóteo 4:7). Enquanto isso, há muitas pessoas que, mesmo casadas e com filhos, chegam ao fim de seus vidas sem esse sentimento de plenitude que Paulo tinha, e sem condições de fazer a mesma declaração feita pelo apóstolo.

Pelo que podemos constatar, o Evangelho nos oferece a oportunidade de uma vida plena,  e não ficamos aprisionados à “Vida na linha do tempo”. Para cada etapa da “linha do tempo” o Evangelho nos apresenta outra proposta, e ele nos concede a “Vida para além da linha”, como indicado na imagem abaixo.

solteiros cristãos 2

A imagem, que apresenta uma comparação entre as duas perspectivas de Vida, foi utilizada por Sérgio Franco ao tratar desse tema na palestra de abertura da Conferência Mais, evento realizado na cidade de Curitiba, entre os dias 31/10 a 2/11, voltado para solteiros a partir dos 27 anos de idade. Para Franco, a comparação entre as duas perspectivas de vida (as quais chamo de “Vida na linha do tempo” e “Vida para além da linha”), aparece da seguinte forma:

Crescer x Amadurecer. Na vida natural, crescemos e envelhecemos. Porém, envelhecimento não significa maturidade. Tem gente que envelhece mais continua imatura, e isso esta cada vez mais comum. Maturidade também é diferente de experiência. Há pessoas com muita experiência, mas que não aprendeu nada com elas. O que o Evangelho nos chama é para a maturidade. Amadurecer inclui o crescer, mas não é só isso. É ser cada vez mais parecido com Jesus. Esse é o chamado de Deus para nós.

– Estudar x Aprender. Estudar é bom, mas nem todo mundo que estudou aprendeu a lidar com as situações da vida. Tem gente com pós-graduação, mas é totalmente despreparada para as situações inusitadas que se colocam diante de nós. Não sabem lidar com a dor, o sofrimento, a pressão etc. Por isso, ainda que estudar seja bom e legítimo, Deus nos chama a aprender de fato.

– Trabalhar x Servir .O trabalho é um mandamento, e até Deus trabalha. Porém, é possível que alguém trabalhe para si mesmo, com propósitos egoístas. Por isso, o chamado de Deus pra nós não é apenas o de trabalhar, mas é o de servir. Quem roubava, não roube mais, antes trabalhe para ter o que repartir (Efésios 4:28). Nosso trabalho tem que estar inserido no quadro do nosso serviço ao próximo.

Casar x Ter uma família. O casamento é muito bom, mas tem gente que casa e tem filhos, mas acaba por formar algo distante de se parecer com uma família. Em casa as pessoas estão divididas em seus mundos, cada um buscando seus próprios interesses. Há casas em que você consegue ver um grupo de pessoas, mas não consegue ver família.  Porém, quando vivemos o Evangelho, Deus nos planta numa verdadeira família: a Igreja. E somos chamados a edificar essa família, casando ou não.

– Reproduzir x Ter filhos. Os filhos são herança do Senhor. Porém, mais do que ter filhos (biológicos ou adotados), o sucesso dos pais está em deixar um legado de fé e de confiança em Deus para seus filhos.  Há cristão que tem filhos mas não trabalham para que esses filhos sejam discípulos de Jesus.  O alvo de todo pai cristão é fazer de seus filhos verdadeiros filhos de Deus pela fé. Não deveríamos ter filhos não para nossa realização, mas para que eles sejam pessoas que vivam para o Senhor. E, se nosso alvo é fazer discípulos, podemos gerar filhos para Deus, ainda que não passemos pelo casamento. São filhos espirituais, filhos na fé. Nem todos têm filhos biológicos ou adotados, mas todos somos chamados a gerar filhos espirituais.

– Morrer x Viver para sempre. A morte é o fim de tudo. Chega-se a dizer que a única certeza que temos na vida é a morte. Porém, para o Evangelho, a morte não é certeza. Pelo contrário, nós já a superamos, já a vencemos. E temos nesta vida a oportunidade de construir coisas de valor eterno. Coisas que perdurarão pela eternidade. Vivemos aqui tendo em vista a eternidade.

Por tudo isso, precisamos abraçar de coração a vida para além da linha, que Jesus veio nos oferecer. Essa é a vida plena, e a a vida em abundância. E se vivermos assim, com certeza seremos um instrumento nas mãos de Deus para abençoar a vida de muitas pessoas.