Família

Dá para dizer que isso é um casamento?

O que é casamento?

Há algum tempo ouvi uma pregação de Ed René Kivitz acerca do pecado da luxúria [1]. Em determinado trecho de seu sermão, Ed René traça algumas considerações sobre a realidade de jovens adultos que mantêm vida sexual ativa sem casamento. Segundo a declaração do referido pastor, esses jovens já estão casados sem que saibam disso. Apenas estariam em um péssimo casamento, com compromisso parcial. Na figura usada por ele, esses jovens estariam casados com “20% de compromisso”. Na pregação, é relatada a seguinte hipótese:

“Por exemplo, o sujeito tem uma namorada e tem vida sexual ativa com sua namorada por 1 ano e meio. Aí a menina tem um outro namorado com quem tem vida sexual ativa por mais 7 meses. Aí depois transou com três caras diferentes em três finais de semana diferentes porque estava sozinha. Aí depois arrumou um noivo. Vai casar. Aí vem pro pastor, que vai fazer esse casamento. Bom, já deve ser o sexto casamento dela. Não é o primeiro. É o 6º, o 7º, o 8º, sei lá. É o 7º depois de 6 péssimos casamentos”.

Logo em seguida, ao falar sobre necessidade de estabilidade e segurança na relação conjugal, o pastor fez a seguinte observação:

“Alguém acha mesmo que vai para o inferno quem tem vida sexual ativa e não é casado ou quem transou ou deixou de transar? A questão não é ‘Deus castiga’, ‘é pecado, Deus condena’. A questão não é ‘é pecado, vai pro inferno’. Nosso apetite legítimo não é de sexo. Nós não somos bicho, nós não vivemos o ciclo do sio. Nós somos gente, para amar, dar amor… Tratar-se e tratar o parceiro com dignidade. Você está comprometido a ter esse seu parceiro com dignidade e assumi-lo por completo. Então desfrute”.

No fundamento da declaração desse pregador está uma definição de matrimônio diferente da que é tradicionalmente aceita. Para essa definição, a relação entre duas pessoas se configura como vínculo conjugal quando há relação sexual. Ou, além disso, quando há comunhão de afetos. Sendo assim, quando houver comunhão de afetos haverá um casamento, ainda que incompleto. Em um texto de outro autor que defende essa concepção, li a seguinte afirmação:

“o casamento é algo que acontece no simples apegar, ajuntar, não dependendo de mais nada nem de ninguém. Casamento perante Deus acontece naturalmente e é fruto de amor e compromisso. O resto é costume humano”.

Logo na primeira vez em que tive contato com essa definição de casamento, me pus a refletir sobre o tema, e a buscar o que as Escrituras afirmam sobre a configuração matrimonial: que elementos deve haver em uma relação entre duas pessoas para que se configure um vínculo conjugal?

Tal pergunta é de extrema e fundamental importância, pois, além do fato do casamento ser algo instituído por Deus, precisamos considerar que nossa resposta terá desdobramentos sobre outros ensinos bíblico, como é o caso do divórcio (o que é, quando e como ocorre). Seria altamente irresponsável não analisar como um determinado conceito de casamento teria desdobramentos sobre a ideia de divórcio.

O ensino sobre divórcio tem significativa importância no Novo Testamento, sendo mencionado nos três Evangelhos Sinóticos. No Evangelho de Mateus, Jesus fala sobre esse tema em duas ocasiões (Mt. 5:31-36; Mt. 19:1-12; Mc. 10:1-12; Lc. 16:18). Nem mesmo Marcos, o menor dos evangelhos, deixa de registrar o ensino de Jesus sobre o tema. Além disso, Paulo também ensina sobre o assunto (I Co. 7:10-17). E o Antigo Testamento já deixara registrado, através do profeta Malaquias, a solene e severa repreensão feita pelo próprio Deus:

“Eu odeio o divórcio”, diz o Senhor, o Deus de Israel (Ml. 2:16).

Diante do ensino bíblico sobre o divórcio, deveríamos pensar no seguinte: como aplicá-lo quando a atividade sexual entre dois jovens já é considerada casamento? Essa é uma pergunta importantíssima. Se um casal de namorados, só por manter relações sexuais já podem ser considerados como casados, então o fim do namoro seria um divórcio? Quando ficaria caracterizado o divórcio em tal relação? Além disso, se o namoro pode ser considerado casamento, ele estaria regido pelo princípio “o que Deus uniu, ninguém o separe” (Mt. 19:6)? O namoro seria marcado pela indissolubilidade?

Além disso, precisamos de uma definição clara sobre o que é o casamento até mesmo para entendermos o que é o adultério, outro tema de grande importância. Jesus fala desse tema com tal seriedade que, após dizer que o homem que olhar para uma mulher já comete adultério em seu coração, continua dizendo:

“Se o seu olho direito o fizer pecar, arranque-o e lance-o fora. É melhor perder uma parte do seu corpo do que ser todo ele lançado no inferno” (Mt. 5:29).

Paulo afirma que adúlteros não herdarão o reino de Deus (I Co. 6:9-11). Já o autor da carta aos Hebreus escreve: “O casamento deve ser honrado por todos; o leito conjugal, conservado puro; pois Deus julgará os imorais e os adúlteros”(Hb. 13:4). Por fim, o Senhor diz a João que os adúlteros ficarão de fora da Cidade Santa (Ap. 21:8)

Diante de tudo isso, fica ainda mais clara e evidente a necessidade de termos uma definição correta sobre o casamento. Tal definição não pode ser tratada como um tema secundário, de pequena importância. Isso não é possível, pois há importantes mandamentos bíblicos que, para serem compreendidos, dependem de uma definição do que seja casamento.

Comunhão de afetos ou o amor sentimental é suficiente?

A mais completa fala de Jesus sobre a configuração da relação matrimonial está no seu ensino sobre a indissolubilidade da mesma:

“Ele respondeu: “Vocês não leram que, no princípio, o Criador ‘os fez homem e mulher’ e disse: ‘Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne’? Assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, ninguém o separe” (Mt. 19:4-6).

Pouco depois Jesus fala sobre o divórcio:

“Eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, e se casar com outra mulher, estará cometendo adultério” (Mt. 19:9).

Ao lermos a definição de Jesus sobre o casamento, talvez alguns de nós pensem que basta a comunhão afetiva ou o amor sentimental para que haja casamento. Contudo, basta lermos o versículo 9 para vermos com clareza que nem toda relação onde há essa comunhão de afetos se configura como casamento. Não quero entrar nos pormenores do que significa “imoralidade sexual” nesse versículo, mas logo na primeira leitura vê-se que existem relações entre homem e mulher que não formam casamento diante de Deus.

O texto diz que o homem que se divorcia, exceto por causa de imoralidade sexual, e se casa de novo comete adultério. Fica a pergunta: porque esse homem está em adultério? Ora, ele está em adultério no segundo casamento, pois o primeiro casamento não está dissolvido diante de Deus. Portanto, mesmo que haja um vínculo afetivo com a segunda esposa, mesmo que haja casamento formal, esse homem ainda estará casado com a primeira esposa diante de Deus. Se assim não fosse, não estaria em adultério. Portanto, ao menos nesse caso podemos ver que comunhão afetiva, ou o amor sentimental, não é suficiente para caracterizar um casamento.

Então, o que caracteriza um casamento? O que faz com que a relação entre um homem e uma mulher forme um casamento? Por que o homem de Mt. 19:9 ainda permanecia casado com a primeira mulher, ainda que separado dela? Ora, Malaquias nos dá essa resposta:

“Porque o SENHOR foi testemunha entre ti e a mulher da tua mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua companheira, e a mulher da tua aliança” (Ml. 2:14)

O livro de Provérbios nos fala sobre a mulher adúltera, a qual “abandona aquele que desde a juventude foi seu companheiro e ignora a aliança que fez diante de Deus” (Pv. 2:17).

Ao lermos Malaquias e Provérbios, vemos que há um elemento que caracteriza o casamento: a Aliança, um pacto, um compromisso que possui um conteúdo específico.

A Aliança no casamento e seu conteúdo

Como vemos, aliança é elemento caracterizador do casamento. E aqui estamos falando do pacto,  do compromisso assumido entras as partes no casamento.

Compromissos, acordos, pactos, contratos são elementos que fazem parte do nosso cotidiano. Todos eles, de certa forma, são alianças. O que faz com que a aliança do casamento seja diferente da aliança feita entre sócios para formar uma sociedade empresária? O conteúdo da aliança. O compromisso assumido no casamento é completamente diferente do compromisso assumido em um acordo comercial, por exemplo.

Qual é conteúdo da aliança de casamento? Essa aliança envolve tanto benefícios a serem desfrutados (como a amizade, o companheirismo, a intimidade, a vida sexual etc.), como também responsabilidades a serem assumidas e exercidas (fidelidade, cuidado etc.). Podemos dizer isso de outra forma: Ao realizar a aliança de casamento, os cônjuges assumem tanto bônus quanto ônus da mesma. E quem não fez essa aliança (com seus bônus e ônus), não está casado.

Podemos dizer que a vida sexual é um bônus da aliança de casamento. Paulo não concebe o sexo fora da aliança do casamento. Tanto que a opção que Paulo apresenta para quem “não consegue se conter” é o casamento:

“Digo, porém, aos solteiros e às viúvas: é bom que permaneçam como eu. Mas, se não conseguem controlar-se, devem casar-se, pois é melhor casar-se do que ficar ardendo de desejo” (I Co. 7:8-9).

Não existe a opção “vida sexual fora do casamento”. E a aliança do casamento inclui também certos ônus. Por exemplo, o de procurar a satisfação do parceiro:

“O marido deve cumprir os seus deveres conjugais para com a sua mulher, e da mesma forma a mulher para com o seu marido. A mulher não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim o marido. Da mesma forma, o marido não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim a mulher” (I Co. 7:3-4).

Contudo, há outros ônus da aliança do casamento que precisam ser lembrados. Pedro diz aos maridos:

“Maridos, vós, igualmente, vivei a vida comum do lar, com discernimento” (I Pe. 3:7) – ARA

A “vida comum do lar” é elemento caracterizador da aliança de casamento. Pedro não fala sobre “vida comum do lar” apenas como uma modalidade de casamento, como se houvesse a opção “casamento sem vida comum do lar”. Essa vida comum é da própria natureza do casamento. É o deixar pai e mãe para constituir outra família (Gn. 2:24). Portanto, um casal de namorados que mantêm vida sexual, sem assumir o desafio da “vida comum do lar” (que inclui renúncias, perdas, compreensão, discernimento, etc.), não assumiu, de forma alguma, a aliança do casamento. Embora haja compromissos no namoro (como o de lealdade), não há o compromisso do casamento. Sexo, amor e compromisso são elementos do casamento, mas sem a aliança específica do matrimônio (com seus bônus e ônus), não há casamento.

A vida sexual sem a aliança conjugal é uma forma de desfrutar os bônus do casamento sem arcar com a completude de seus ônus. É uma forma de livrar-se das preocupações inerentes ao casamento, da quais Paulo fala:

“aqueles que se casarem enfrentarão muitas dificuldades na vida, e eu gostaria de poupá- los disso” (I Co. 7:28).

“Gostaria de vê-los livres de preocupações. O homem que não é casado preocupa-se com as coisas do Senhor, em como agradar ao Senhor. Mas o homem casado preocupa-se com as coisas deste mundo, em como agradar sua mulher, e está dividido. (I Co. 7:32-34).

A forma da Aliança

Até aqui falamos sobre a aliança e seu papel como elemento configurador do casamento. E essa aliança tem um conteúdo específico. O compromisso de namoro ou de noivado não são casamento. Casamento inclui a “vida comum do lar”, o “deixar pai e mãe”, conforme Gn. 2:24. Mas, como se faz essa aliança? Qual é a forma de realizá-la?

Ora, acerca desse tema a Bíblia não prescreve uma forma específica. Muitos dos elementos que hoje fazem parte da tradicional cerimônia de casamento não estão na Bíblia. Exemplo disso é o anel de aliança. A Bíblia fala sobre o casamento, mas a forma como ele é realizado é construída social e culturalmente. Cada cultura apresenta uma forma específica de realizar a chamada “cerimônia de casamento”.

Quanto aos casamentos na Bíblia, Márcio Carvalho [2] escreve o seguinte:

“Por exemplo, existiam as cerimônias de casamento tanto públicas como particulares e algumas envolviam vestes especiais (Sl 45.13-14). As noivas usavam joias (Is 61.10) e cobriam-se com véus (Gn 24.65). Além disso, havia também alguns hábitos e uma cerimônia em que estavam presentes os amigos e amigas da noiva (Sl 45.14). Já o noivo, tinha um amigo especial e outros auxiliares como se fossem padrinhos! (Gn 24.65; Jz 14.11; Sl 45.13-14; Is 61.10; Mt 9.15) Enfim, não há dúvidas de que existia uma cerimônia, um ato que legalizava o casório”.

No caso de nossa sociedade, há um instituto jurídico definido como casamento, distinto de outro que tem sido largamente usado: a união estável. É importante observar que união estável não é casamento. E essa diferença não é apenas legal, mas diz respeito à própria intenção na escolha feita por um instituto ao invés de outro. Essa diferença fica clara quando observamos há razões internas que levam uma pessoa a optar pela união estável quando poderia optar pelo casamento. Não são poucos os casos que conheço de pessoa que preferem viver juntas sem se casarem porque é mais fácil “se juntar do que casar”, além de facilitar na hora da separação, ou diminui as “burocracias” caso a convivência não dê muito certo. O motivo por traz da escolha pela união estável mostra que ela é uma forma de não assumir plenamente os ônus do casamento. Portanto, não há aliança de casamento.

Conclusão

Não são poucos os chamados bíblicos para que nós vivamos em santidade. Sem santificação, ninguém verá o Senhor (Hb. 12:14). Além disso, Paulo nos ensina:

“A vontade de Deus é que vocês sejam santificados: abstenham-se da imoralidade sexual. Cada um saiba controlar o próprio corpo de maneira santa e honrosa, não com a paixão de desejo desenfreado, como os pagãos que desconhecem a Deus. Neste assunto, ninguém prejudique a seu irmão nem dele se aproveite. O Senhor castigará todas essas práticas, como já lhes dissemos e asseguramos. Porque Deus não nos chamou para a impureza, mas para a santidade”(I Tessalonicenses 4:3-8).

Diante dessa palavra, temos o dever de guardar nossas mentes e corações de qualquer ensino que venha a corromper a santidade. Portanto, qualquer ensino sobre casamento que contrarie a definição bíblica deve ser rejeitado e resistido. A ideia de que a mera comunhão de afetos configura o casamento não é bíblica. Pelas Escrituras, o casamento se forma pelo pacto, pela aliança, e é por essa aliança que ele é sustentado.

Em Cristo,

Anderson Paz
Coautor do livro “Casamento, Imoralidade Sexual e Divórcio”.

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[1] Áudio da pregação de Ed René Kivitz disponível no site da IBAB
[2] No texto “É possível não fazer sexo antes do casamento?”. Disponível no site da revista Ultimato. Acessado em 21/01/2012.


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