Ensino

O aborto em Eclesiastes e Jó

Certo líder religioso brasileiro, supostamente cristão, tem defendido e propagado a tese de que a Bíblia aprova a realização do aborto como forma de planejamento familiar. E para sustentar esse pensamento usa o texto de Eclesiastes 6:3.

“Se alguém gerar cem filhos e viver muitos anos, até avançada idade, e se a sua alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é mais feliz do que ele”

Ora, se partíssemos desse texto para afirmar que a Bíblia autoriza o aborto provocado, também teríamos que, forçosamente, admitir que a Bíblia autoriza o homicídio. Essa conclusão seria fruto da coerência, pois o mesmo livro de Eclesiastes afirma que os mortos são mais felizes que os vivos.

“Pelo que tenho por mais felizes os que já morreram, mais do que os que ainda vivem” (Ec. 4:2).

A mesma pessoa que utiliza Eclesiastes 6:3 para justificar o aborto também teria que usar Eclesiastes 4:2 para justificar o homicídio. Se uma criança pode ser abortada porque um aborto é mais feliz do que quem vive sem ver o bem, também seria lícito matar quem está sofrendo. O mesmo livro que é usado para defender o aborto também deveria ser usado para defender o homicídio. Mas nenhum de nós concorda com a ideia absurda de explodir um hospital e matar doentes para torná-los mais felizes. Nem mesmo pensaríamos em explodir uma maternidade para poupar os bebês dos sofrimentos que poderão enfrentar no vida. Ora, se não concordamos com essas loucuras, por que concordaríamos com a ideia de que é lícito matar a criança no ventre, o lugar em que está sendo formada por Deus?

Além disso, abortar uma criança para poupá-la de uma possível vida infeliz, é partir de uma presunção que não pode ser feita pelos homens, a menos que estes pensem estar no lugar de Deus para saber o futuro. O próprio autor de Eclesiastes destaca que os homens não sabem o que lhes espera no futuro, se encontrará amor ou ódio, estando-lhe oculto o que ainda virá. Somente Deus tem conhecimento disso (Ec. 9:1).

Quando Eclesiastes 6:3 fala que o aborto é mais feliz está fazendo uma análise da vida a partir de seu aspecto terreno, daquilo que é perceptível aos nossos olhos. Observando os sofrimentos dessa vida, o autor de Eclesiastes chega a conclusão que o melhor é não ter nascido.

É interessante observar que Jó, ao passar por um intenso  e profundo sofrimento, chega à mesma conclusão, a de que seria melhor não ter nascido, e questiona a Deus:

“Então, por que me fizeste sair do ventre? Eu preferia ter morrido antes que pudesse ser visto. Se tão-somente eu jamais tivesse existido, ou fosse levado direto do ventre para a sepultura!” (Jó 10:18-19).

Mas isso não significa que Jó defendesse o aborto provocado. Muito pelo contrário, sua reclamação dirigida a Deus foi  “por que me fizeste sair do ventre?” e não “por que minha mãe não me abortou?” Diante do sofrimento que enfrentava, ele questionou a Deus por ter lhe dado vida. E esse questionamento parte de um fundamento claro: é Deus quem forma vida no ventre.

Alguns versículos antes, Jó questiona a Deus, mas ao mesmo tempo que afirma a ação de Deus na gestação de uma criança:

“Foram as tuas mãos que me formaram e me fizeram. Irás agora voltar-te e destruir-me? Lembra-te de que me moldaste como o barro, e agora me farás voltar ao pó? … Não me vestiste de pele e carne e não me juntaste com ossos e tendões? Deste-me vida e foste bondoso para comigo, e na tua providência cuidaste do meu espírito” (Jó 10:8-12).

Jó e o autor de Eclesiastes falam sobre o aborto espontâneo partindo de uma perspectiva exclusivamente terrena, daquilo que pode ser percebido aos nossos sentidos. Diante de tanto sofrimento na vida, talvez pensemos que o melhor seria não ter nascido. Mas nem Jó nem Eclesiastes terminam nessa perspectiva terrena. Ambos os livros chamam a nossa atenção para olharmos para uma perspectiva espiritual.

Embora o autor de Eclesiastes diga que os mesmos tipos de acontecimentos se dão igualmente com justos e com perversos (Ec. 9:2,3), o que pode soar desanimador para os justos, ainda assim encerra sua mensagem dizendo que vale a pena temer a Deus e obedecer os seus mandamentos, pois Deus julgará a todas as obras. No fim, a mensagem de Eclesiastes é de esperança.

“Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: Tema a Deus e guarde os seus mandamentos, pois isso é o essencial para o homem. Pois Deus trará a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está escondido, seja bom, seja mal” (Ec. 12:13-14).

Jó, ao passar pela provação, na qual chegou a questionar a Deus, conclui o seguinte: “Certo é que falei de coisas que eu não entendia, coisas tão maravilhosas que eu não poderia saber” (Jó 42:3).

Assim como Jó cria que Deus o havia formado no ventre materno, o ensino bíblico é de que todos os seres humanos, desde a concepção, têm lugar especial no plano de Deus. Ele reconhece a importância das crianças desde o ventre (Salmo 139:13-16; Isaías 49:1, 5; Jeremias 1:5; Gálatas 1:15).

Por isso, usar Eclesiastes 6:3 para justificar o aborto provocado só pode ser fruto de má-fé ou de uma mente que insiste em enganar a si mesmo e aos outros. Que Deus conduza ao arrependimento todos aqueles que tentam distorcer a Palavra de Deus, disseminando o erro, a mentira e a destruição.

Em Cristo,
Anderson Paz