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Disciplina na igreja? Pra quê?

Disciplina na igreja é um tema que sempre desperta polêmicas. Certa vez assisti a um vídeo em que o pastor entrevistado dizia que a igreja leva muito a sério os pecados sexuais porque faz vista grossa para outros pecados, visto que é fácil enquadrar alguém no pecado sexual, o que é mais difícil quando se trata de pecados como o orgulho, a avareza ou a maledicência. Quase na mesma época em que assisti esse vídeo, também li um texto em que o autor questionava a razão pela qual pastores são afastados do púlpito por causa de adultério, mas não são por pecados como a mentira. Por isso, decidi repartir com vocês algumas reflexões sobre o tema disciplina na igreja.

1- Base bíblica para a disciplina na igreja e seu propósito

Deus corrige seus filhos para que estes sejam participantes de Sua santidade (Hb. 12:10). E nós recebemos de Deus o dever de cooperarmos com a santidade uns dos outros (Gl. 6:1; Hb. 3:13; Hb, 10:25). Essa tarefa é exercida pela prática das mutualidades (exortai-vos, admoestai-vos etc.) e de outras ações disciplinares. Não podemos fugir de textos como o de Gálatas 6:1

“Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado”.

E o propósito dessa correção é a restauração de quem pecou, e sempre deve ser movida e envolvida no amor.

“Disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade” (II Tm. 2:25,26).

O Novo Testamento é claro em ensinar sobre a ação disciplinar da Igreja. Em Mateus 18:15-17, Jesus nos instrui em como tratar o irmão que peca contra nós:

“Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão …”.

Em I Coríntios 5, Paulo dá instruções àquela Igreja sobre como tratar uma grave situação de ordem sexual: “Geralmente, se ouve que há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre os gentios, isto é, haver quem se atreva a possuir a mulher de seu próprio pai. (…) que o autor de tal infâmia seja (…) entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor”.

Já na igreja em Tessalônica o problema era com as pessoas que não queriam trabalhar. Neste caso Paulo também dá orientações claras: “Mandamo-vos, porém, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o irmão que anda desordenadamente (…) Porquanto ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes fazendo coisas vãs. (…) se alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai o tal, e não vos mistureis com ele, para que se envergonhe. Todavia não o tenhais como inimigo, mas admoestai-o como irmão” (II Ts. 3:6-15).

Para Timóteo, Paulo fala sobre a disciplina de presbíteros (pastores): “Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra (…) Aos que pecarem, repreende-os na presença de todos, para que também os outros tenham temor” (I Tm. 5:17-20).

2- Aspectos a serem considerados na disciplina na igreja.

À luz do Novo Testamento e através de pessoas comprometidas com santidade da Igreja, tenho aprendido que a Igreja, em sua ação disciplinar, deve sempre observar ao menos quatro aspectos, a fim de atuar de forma que realmente coopere com o arrependimento e restauração de seus membros. Segue abaixo quatro perguntas básicas a se fazer antes de disciplinar alguém:

  • Quem pecou?

Já que ”àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido” (Lc. 12:48), o pecado de um novo convertido não deve ser tratado da mesma forma que o de um pastor. Como já foi citado, Paulo dá a Timóteo orientações específicas sobre a disciplina de pastores.

Espera-se que os pastores sejam modelos do rebanho (I Pe. 5:1-3). Isso não quer dizer que eles sejam perfeitos e imunes ao pecado, mas significa que devem ser modelos de vida até mesmo no momento de se arrepender e corrigir seus erros. As ovelhas precisam de exemplo de gente que se humilha, admite seus pecados e se arrepende. A respeito desse tema, quero citar a experiência que Sérgio R. Franco relata em seu livro “Perdão e Purificação”. Franco é pastor e compõe o presbitério de uma comunidade na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Em seu livro, ele relata que foi a primeira pessoa a ser disciplinada nessa comunidade, tendo sido exposto publicamente. Contudo suas disciplinas fizeram com que o rebanho ficasse ainda mais próximo e lhe conferiram maior autoridade para tratar do tema na vida dos discípulos.

  • Qual pecado?

Não existe “pecadinho, pecado e pecadão”. Qualquer pecado é grave o suficiente para nos levar ao inferno. Por isso todo pecado deve ser tratado com seriedade. Em minha experiência de vida em comunidade tenho conhecido casos de disciplina por preguiça, fofoca, ira, desordem financeira, distância em relação à família etc.. Sei que muitos não levam a sério esses assuntos, mas felizmente tenho conhecido gente que trata desses temas com a devida seriedade, e tenho visto os bons resultados dessa atitude.

Todos os pecados devem ser tratados com seriedade. Mas há um texto bíblico que nos aponta para uma distinção entre pecados cometidos fora do corpo e pecados cometidos contra o corpo: “Fugi da impureza. Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo. Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo” (I Co. 6:18-20). Portanto, à luz desse texto e das complicadas experiências humanas na área da sexualidade, penso que pecados de ordem sexual precisam receber um tratamento específico, que nunca deve consistir em acusação (como se esse pecado fosse pior do que os outros), mas sempre ser uma busca por resgate e libertação.

  • Como veio à luz?

É evidente que há distinção quando a confissão é voluntária e imediata, no cumprimento de Tiago 5:16 (“Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros”), ou quando o pecado é descoberto. Essa é uma questão que precisa ser observada, pois quem confessa seu pecado demonstra que quer ajuda.

  • Há reincidência?

Como o arrependimento tem seus frutos, devemos considerar se há uma prática reincidente do pecado. O arrependimento genuíno se traduz numa mudança de atitude.

3- A prática da disciplina na igreja.

Infelizmente, temos visto muitas práticas equivocadas quanto à disciplina na igreja. Há erros por parte daqueles que têm a responsabilidade de disciplinar, tanto por partirem de uma motivação errada (que não pode ser outra senão o amor) e querendo alcançar um propósito equivocado (buscam a punição, e não a restauração do irmão).

Se mantivermos em vista a motivação e o propósito corretos, a prática da disciplina na igreja sempre será bem orientada. Por isso, antes de nos preocuparmos com os métodos, com o “passo a passo” da disciplina, devemos focar na sua motivação e no seu propósito.  Uma vez estabelecidas essas coisas, podemos partir para a prática. A Bíblia nos apresenta algumas ações disciplinares, que vão desde a repreensão particular, passando pela repreensão em um grupo, a repreensão pública e chegando até a exclusão do corpo. Tudo isso sempre buscando resgatar a vida do irmão.

Para a aplicação dessas ações, precisamos de discernimento, inspiração do Espírito e sensibilidade, pois as ações não podem ser aplicadas como penas a um condenado, mas sim como tratamento a um enfermo. Por isso, quem tem a responsabilidade pastoral na igreja não pode, de forma alguma, conduzir seu ministério sem a direção do Espírito Santo.

Aqueles que estão sob disciplina também precisam entender que esta tem um fruto a ser alcançado, frutos pacíficos de justiça. Toda a disciplina a princípio é motivo de tristeza, mas ela é necessária para que sejamos participantes da santidade de Deus. Por isso, não se canse e nem endureça seu coração diante dela. Não enxergue a mão do homem, mas veja a mão de Deus que sempre trata com Seus filhos e faz com que todas as coisas cooperem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.

4- Conclusão

Com essas reflexões não pretendo esgotar o assunto. Mas desejo apenas que pensemos sobre o tema à luz das Escrituras, mantendo sempre o foco naquilo que é o projeto de Deus: fazer de nós uma família de muitos filhos semelhantes a Jesus. Para isso, precisamos estar comprometidos em primeiramente, olhar para nós mesmos, arrancando as traves dos nossos olhos, para então podermos olhar bem e ajudar os nossos irmãos a tirarem os argueiros de seus olhos. Não podemos negligenciar o cuidado mútuo.

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