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12 apontamentos sobre os protestos populares e a Justiça do Reino de Deus

“Justiça”! Esse é o clamor que tem ocupado as ruas do país nesses últimos dias. Um grito contra a corrupção, a impunidade, a falta de ética na política, entre tantos outros temas. Um transbordar de uma insatisfação generalizada que precisa ser ouvida pelas autoridades públicas. Enfim, o que todos querem é justiça. E a busca pela justiça deveria ser uma marca na vida do cristão. Afinal, foi o próprio Jesus que disse: “Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt. 6:33). E ainda garantiu: todos os que têm fome e sede de justiça serão fartos (Mt. 5:6).

Contudo, nesse momento é importante destacar que devemos buscar a justiça do Reino de Deus, que não se confunde com a justiça dos homens.

Sobre os protestos que estão ocorrendo no Brasil, muitos cristãos têm se posicionado dizendo que é nosso dever como cristãos nos manifestarmos nas ruas contra a corrupção e a injustiça, pois Paulo diz: “Não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas. Antes, porém, reprovai-as” (Ef. 5:11). Enquanto o povo brasileiro teria o direito de ir às ruas, os cristãos teriam o dever. Porém, o mesmo Paulo nos diz que todas as autoridades são constituídas por Deus e que devemos nos submeter a elas (Rm. 13:1-7; Tt. 3:1,2). O próprio Jesus nos ensina que um homem só tem autoridade se do céu for dada (Jo. 19:11). E Pedro nos diz:“Por causa do Senhor, sujeitem-se a toda autoridade constituída entre os homens” (I Pe. 2:13).

Como conciliar o mandamento de reprovar as obras das trevas das autoridades e, ao mesmo tempo, obedecer às mesmas autoridades? Quero listar abaixo 12 apontamentos que fundamentam o meu posicionamento acerca dessa questão, tendo em vista os últimos protestos que têm varrido as ruas do país. Penso que esses apontamentos não esgotam o assunto, mas ao menos abrem caminho para iniciarmos uma conversa. Gostaria que você refletisse com todo cuidado.

1) Participar de manifestações pacíficas não constitui pecado de rebelião. Tendo em vista que quem se manifesta está agindo debaixo da autoridade da Constituição, a mesma autoridade que estabelece as condições para que alguém exerça, por exemplo, o cargo de presidente da república.

2)  Para um cristão, uma manifestação pacífica não é apenas aquela que não promove vandalismo, mas que também não promove calúnias. Precisamos observar com fidelidade o mandamento de Tito 3:2: “não caluniem a ninguém, sejam pacíficos e amáveis e mostrem sempre verdadeira mansidão para com todos os homens”. Ou seja, ninguém, nem mesmo as autoridades, devem ser caluniadas.

3) Participar de manifestações na rua é um direito seu enquanto cidadão, mas não um dever cristão. O nosso dever é reprovar o pecado, mas isso não precisa ser feito necessariamente em manifestações nas ruas. Alguns alegam que devemos agir como os profetas que denunciaram o pecado de reis. A questão que se coloca é a seguinte: os profetas também denunciaram a idolatria, a feitiçaria e a imoralidade tanto dos reis quanto do povo. Natã condenou o adultério de Davi. João Batista foi decapitado por reprovar o adultério entre Herodes e sua cunhada. Elias se opôs à idolatria do povo a Baal. Malaquias condenou o divórcio. Ora, se agir como os profetas é necessariamente ir às ruas, os cristãos deveriam fazer manifestações públicas contra adultérios, idolatria, feitiçaria, o divórcio, etc.  Mas ninguém tem dúvida da falta de bom senso e de equilíbrio em promover esse tipo de manifestações. A incoerência que se percebe é a seguinte: se a justiça de Deus exigem que o cristão participe das manifestações de rua, e se o exemplo para isso é o dos profetas, os cristãos deveriam fazer manifestações públicas por tudo o que é contra a vontade de Deus. Mas, poucos cogitam essa possibilidade.

4) Quando um cristão participa de manifestações pacíficas, o faz a partir de sua condição de cidadão, e não por um dever cristão. Como recentemente escreveu Augustus Nicodemus Lopes: “Muitos cristãos têm procurado na Bíblia justificação para estes atos de protesto público contra o governo e para criticar outros cristãos que preferem não se juntar aos manifestantes. Acho que não precisa procurar versículos na Bíblia para isto. A liberdade de expressão faz parte de nossos direitos como cidadãos de um país democrático”. Há muitas decisões que precisamos tomar do dia-a-dia sem que haja um claro específico mandamento bíblico. As formas de participação política são exemplos disso.

5) Reprovar as obras infrutíferas das trevas não é sinônimo de fazer manifestações populares. Isso também pode ser feito também através de outros meios, especialmente em situações como a do nosso país onde as eleições têm ocorrido de forma regular. Alguém pode se sentir livre para expressar sua reprovação nas urnas, promovendo um abaixo-assinado, divulgando informações sobre a corrupção, sobre as votações no Congresso etc. Então, ninguém é obrigado, enquanto cristão, a participar de manifestações públicas como se fossem a única forma de expressar sua reprovação às obras infrutíferas das trevas.

6)  Participar de uma manifestação é um direito seu enquanto cidadão, mas orar pelas autoridades é seu dever enquanto cristão.Fica pergunta para reflexão: Como se valer de um direito quando não se cumpre o dever?

7) O engajamento numa manifestação associado à falta de oração pode estar revelando um coração que espera mais da justiça dos homens do que confia na justiça de Deus. Precisamos lembrar que “é melhor confiar no SENHOR do que confiar no homem. É melhor confiar no SENHOR do que confiar nos príncipes” (Salmos 118:8-9). “Muitos desejam os favores do governante, mas é do Senhor que procede a justiça” (Provérbios 29:26).

8) Ir à manifestações pacíficas não é pecado. Mas isso não é dizer que deve-se ir à qualquer manifestação pacífica. Há critérios que devemos usar para avaliar cada caso. Paulo nos ensinou: “Tudo é permitido, mas nem tudo convém. Tudo é permitido, mas nem tudo edifica” (I Co. 10:23). Os critérios que devem ser observados vão muito além do mero “pode ou não pode?”, “tenho ou não tenho direito?”. Mesmo que a manifestação pacífica em si não seja pecado, ao participarmos dela poderemos incorrer em outros pecados. Precisamos ter cuidado com questões como: nos associarmos com quem está deliberadamente desrespeitando as autoridades (não me refiro aos vândalos, mas a gente que ofende, xinga etc.); nos “assentar na roda dos escarnecedores”;  “dispormos para a carne” (Rm. 13:14 – Nesse caso, estarmos em ambiente que poderá nos inflamar a pecar contra autoridade); não fugirmos da aparência do mal (ao estarmos em certas manifestações, poderemos dar evidência a causas opostas ao Reino de Deus); incoerência e hipocrisia (falar da corrupção dos políticos, mas ter o “gatonet” em casa, ou seja, tentar tirar o argueiro dos olhos dos outros sem antes tirar a trave dos próprios olhos); Etc.

9) Há alguns critérios fundamentais para avaliarmos se devemos participar ou não: Isto convém? (I Co. 6:12a);  Isto está me dominando? (I Co. 6:12b); Isto edifica? (I Co. 10:23);  Estou buscando o meu próprio interesse? (I Co. 10:33); Isto glorifica a Deus? (I Co. 10:31) Isto provém de amor? (tanto ao povo quanto às próprias autoridades, que são também alvo do nosso amor) (Rm. 14:15); Isto provém de Fé? (Rm. 14:23). Utilizar essas perguntas pode nos auxiliar na avaliação de nossos reais motivos para o envolvimento e razões de nossas escolhas.

10) Ao me agregar ao protesto posso estar dando volume à voz de certas causas opostas ao Reino de Deus. Ao se mobilizar uma manifestação, a intenção é que, pelo volume de pessoas envolvidas, certas causas ganhem visibilidade, sejam ouvidas pelas autoridades. Ou seja, o objetivo é que certas vozes ganhem volume perante o poder público. E isso é algo legítimo. Não temos dúvida que a justiça e a honestidade são causas do Reino, e são vozes que precisam ganhar volume. E essas são causas comuns à maioria dos manifestantes. Contudo, embora haja causas comuns, há também causas específicas, pois cada pessoa tem uma compreensão diferente do que seria um país melhor. Alguns, por exemplo, acreditam que um país melhor seria um país com ampla e irrestrita legalização do aborto, coisa com a qual discordamos totalmente. Infelizmente, devido à multiplicidade de causas defendidas nas manifestações atuais (algumas das quais antagônicas entre si e mutuamente excludentes), ao defendermos causas comuns nas manifestações (combate à corrupção, justiça etc.), podemos também com nossa simples presença dar volume à vozes específicas que são abertamente opostas ao Reino de Deus. Isso teria um efeito não desejado por nós. E esse risco é mais concreto quando consideramos que a mídia também escolhe ou aumenta o volume de certas vozes presentes no protesto. E temos que ter cuidado com o uso que a mídia pode estar fazendo com a nossa participação. Na falta de foco preciso desses protestos, e com a manipulação da mídia, a participação dos cristãos pode estar dando evidência para bandeiras que não deveríamos levantar.

11) Infelizmente, as manifestações já se tornaram ambiente para que bandidos promovam arruaça, vandalismo, saques e roubos. É claro que sempre há oportunistas em momentos de expressão democrática. Mas, considerando a falta de foco preciso nos protestos e o prolongamento no tempo, deveríamos considerar até que ponto as manifestações estão criando ambientes para esses pecados. Nessas horas de crise política, bandido tem lado definido: o lado onde eles vão poder se aproveitar.

12) O foco da Igreja é anunciar Jesus através do Evangelho. Sabemos que por meio da ação política podemos criar mecanismos que coíbam a corrupção. Podemos criar leis que promovam a transparência na administração pública, a prestação de contas etc. E é legítimo trabalhar e militar para isso. Contudo, também sabemos que embora a corrupção possa ser limitada pela lei, esta não tem o poder de mudar a fonte da corrupção, que não é o sistema, mas é o coração humano. É dele que procede os maus desígnios (Mt. 15:18-20). E só tem uma coisa que pode dar ao homem um coração novo: o próprio Deus (Ez. 36:26,27). Por isso, o nosso principal foco e nossa missão na vida é apontar, por palavras e obras, o caminho que nos leva a Deus: Jesus. Isso faz com que a igreja tenha relevância sobre a terra (Sobre esse tema recomendo da leitura do post “O caminho para a irrelevância da igreja”). Podemos sim ter atuações políticas, mas sem perder o foco. A transformação social plena que desejamos só acontece através do Evangelho.

Queridos leitores, levando em consideração esses 12 apontamentos, após uma cuidadosa reflexão, tomei a decisão de não aderir às atuais manifestações nas ruas, e nem mesmo apoiar a adesão de quem quer que seja. Isso não significa uma negação ao exercício da cidadania ou que não se deva ter posições sobre as pautas dos protestos. Nem mesmo significa que eu estou negligenciando o meu dever de buscar a justiça. Eu tão somente decidi que, devido ao rumo tomado pelas atuais manifestações de rua (também posso dizer que pela diversidade de rumos, ou pela ausência de rumo), eu não poderia aderir a essa específica e pontual forma de exercer meus direitos. Minha consciência para com Deus não me permite isso. E exponho aqui as minhas razões. Gostaria que você ao menos refletisse sobre cada um dos apontamentos que elenquei neste espaço.

Sabemos que ir às manifestações é um direito nosso enquanto cidadãos, mas precisamos sempre lembrar de nos dedicar àquilo que claramente é nosso dever: praticar a justiça, orar pelo país e pelas autoridades e viver a religião pura e imaculada para com Deus: “Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo” (Tiago 1:27).

Em Cristo,

Anderson Paz
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